sábado, 8 de dezembro de 2007

A era das empresas mutantes

Por Cristiane Correa da EXAME
No final da década de 90, a americana Marvel, uma das maiores editoras de histórias em quadrinhos do mundo, estava à beira da falência. Fundada na década de 30 e com uma incrível coleção de super-heróis -- X-Man, Quarteto Fantástico e Hulk, entre os mais famosos --, a Marvel não conseguia atrair novos leitores. Para tentar resolver a crise, dois diretores da companhia, Isaac Pearlmutter e Avid Arad, tiveram uma idéia: transformar seus desenhos em filmes. Na opinião dos executivos, os personagens da empresa eram um bem valioso demais para ficar confinados em bibliotecas, livrarias e bancas de revistas. O escolhido para protagonizar a virada da Marvel foi o Homem-Aranha, a identidade secreta do fotógrafo Peter Parker. Em 2002, a história do tímido adolescente que ganha superpoderes após ser picado por uma aranha geneticamente modificada chegou aos cinemas -- e transformou-se na maior bilheteria do ano. Logo depois, Pearlmutter assumiu o cargo de presidente da empresa.
O incrível roteiro protagonizado pela Marvel é um dos melhores exemplos do livro Unstoppable -- Finding Hidden Assets to Renew the Core and Fuel Profitable Growth (numa tradução livre, "Irrefreável -- Encontrando bens escondidos para renovar o core business e acelerar o crescimento com lucro"), recém-publicado nos Estados Unidos pelo consultor Chris Zook, sócio da Bain & Company. Unstoppable marca o fim de uma trilogia que começou em 2001, com o lançamento de Lucro a Partir do Core Business. A obra defendia a tese de que os executivos devem concentrar seus esforços no crescimento do principal negócio da empresa, em vez de ficar tateando às escuras em busca de oportunidades que pouco têm a ver com sua essência. Três anos depois, chegava às livrarias Além das Fronteiras do Core Business, em que Zook discorria sobre as benesses do crescimento adjacente, em áreas próximas do negócio principal de uma empresa. Neste terceiro e último livro sobre o tema, o autor prega que para ganhar novos mercados as empresas precisam analisar profundamente quais são seus bens mais valiosos e, a partir daí, traçar novos rumos.
Para chegar a essa conclusão, Zook fez um estudo profundo sobre companhias que mudaram sua direção estratégica. Os resultados são preocupantes. Das 500 maiores empresas americanas listadas pela revista Fortune em 1994, 153 haviam desaparecido depois de uma década (Polaroid e WorldCom, por exemplo). Das 347 que sobreviveram, Zook afirma que 130 fizeram uma dramática transformação. "Em dez anos, uma em cada três empresas não será mais independente -- por causa de falência ou aquisição -- e uma outra terá um core business completamente diferente do atual. Apenas uma delas vai lembrar o que é hoje", diz ele.
OS RESPONSAVEIS POR ESSA dramática mudança na vida das empresas são os culpados de sempre: o mundo cada vez mais competitivo, as novas tecnologias que permitem o surgimento de concorrentes vorazes, a globalização. É por causa desses culpados que muitas vezes as empresas não percebem quais são seus bens escondidos. No entanto, quando elas conseguem identificar valores que até então foram relegados a segundo plano, o resultado pode ser muito animador. Foi o que aconteceu com a GE. O maior motor de seu crescimento recente foi a GE Capital, uma divisão fundada nos anos 30 e cujo principal papel até a década de 90 era financiar a compra de equipamentos fabricados pela empresa. Jack Welch, presidente da companhia na época, percebeu que a GE Capital poderia ir além e a colocou no centro da estratégia. Entre 1990 e 2000, a GE Capital fez mais de 170 aquisições. Hoje, a empresa trabalha até mesmo com crédito imobiliário.
Os exemplos de companhias que, como a Marvel e a GE, conseguiram identificar seus "bens escondidos" e ganhar muito dinheiro com eles são freqüentes na obra de Zook. O problema é que na vida real elas são exceção. Segundo o autor apenas uma em cada cinco empresas que tentam redefinir seu foco tem sucesso na empreitada. A maioria morre no meio do caminho. O melhor exemplo de colapso é o da japonesa Kongo Gumi, que até janeiro de 2006 ocupava o posto de empresa mais antiga do mundo. Fundada no ano 578 para construir templos budistas em seu país, a empresa passou quase 1 400 anos fazendo a mesma coisa. No final do século 20, com a demanda de construção de novos templos em baixa, a Kongo Gumi decidiu diversificar. A saída encontrada foi entrar no mercado imobiliário, erguendo prédios de apartamentos e escritórios. Deu errado. Com receitas em queda e uma dívida milionária, a Kongo Gumi foi vendida no ano passado.
O principal problema do livro é que ele tem um sabor de coisa ligeiramente requentada. Zook aproveita raciocínios de seus títulos anteriores e cita com freqüência outros best-sellers de negócios, como Feitas para Durar, de Jim Collins, e A Estratégia do Oceano Azul, de W. Chan Kim, para reforçar suas teses. Com poucos pensamentos realmente originais, Unstoppable é um livro útil para qualquer executivo que hoje esteja à frente de uma mudança estratégica numa companhia -- mas está longe de ser uma obra indispensável.

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