Na década de 90, o engenheiro agrônomo Renato Tanabe era apenas um decasségui entre milhares de brasileiros descendentes de japoneses que embarcaram para o Japão com o sonho de fazer fortuna na terra de seus antepassados. Depois de fazer bicos e servir cafezinhos aos visitantes da embaixada brasileira em Tóquio, Tanabe, hoje com 49 anos, encontrou um sócio e uma oportunidade de negócios promissora. Com o paulista Wilson Kaway, ele começou a vender serviços de uma operadora de telefonia que oferecia ligações baratas do Japão para o Brasil aos brasileiros saudosos de casa. Há 13 anos, eles criaram a própria empresa de telefonia, a Brastel, para atender não apenas os brasileiros mas também um público formado por 2 milhões de estrangeiros que vivem e trabalham no Japão. Hoje, a empresa fatura 100 milhões de dólares por ano e tem entre seus principais clientes os emigrantes brasileiros, filipinos e russos, além dos próprios japoneses. Nesta conversa com EXAME PME, Tanabe aponta os principais momentos que ajudaram a impulsionar o crescimento da Brastel e fala sobre seus planos para o futuro.
Sou engenheiro agrônomo, mas trabalhei pouco na área. Meu pai tinha uma fábrica de ração e criava suínos e aves no interior de São Paulo, mas logo depois que me formei ele começou a se desfazer dos negócios. Nos anos 90, eu trabalhava numa empresa de acessórios de escritório e viajei para o Oriente para uma feira do setor na China. Passei pelo Japão, onde ia visitar um amigo. Foi quando resolvi ficar por lá.
Eu havia morado no Japão anos antes para aprender japonês e conhecer a terra onde meus pais nasceram. Eu fazia bicos em restaurantes e cheguei a servir cafezinhos na embaixada brasileira em Tóquio. Quando conheci o Wilson, montamos um negócio de vendas por catálogo para a comunidade brasileira. Vendíamos um pouco de tudo, entre roupas e equipamentos eletrônicos.
Não ganhávamos muito dinheiro, mas pelo menos formamos uma boa lista de brasileiros que viviam no Japão. Foi para essas pessoas que começamos a vender, em 1995, um serviço chamado call back. Era um sistema para reduzir custos de telefonemas que os brasileiros faziam do Japão para seus familiares no Brasil. Quem estava no Japão ligava para o número de uma central nos Estados Unidos. A central ligava de volta e fazia a conexão com o Brasil. Funcionava porque os preços dos telefonemas internacionais originados nos Estados Unidos eram mais baratos do que no Brasil ou no Japão.
Depois de um ano, decidimos abrir nossa própria operadora para vender o serviço, a Brastel. Montamos uma central em Los Angeles, nos Estados Unidos, e começamos a vender o serviço para os brasileiros que viviam no Japão. Para começar, contamos com um empréstimo de 500 000 dólares de um empresário japonês. Esse tipo de ajuda é muito comum entre os japoneses, mas raro de ser feito com estrangeiros, como nós. Havíamos conhecido esse empresário quando éramos representantes da empresa americana, e ele concordou em fazer negócio conosco.
Mesmo com esse capital, muitas vezes o fluxo de caixa ficava apertado, pois precisávamos pagar antecipadamente as ligações telefônicas da nossa central nos Estados Unidos. Em 1998, a KDD, então uma das três maiores operadoras de telecomunicações em longa distância no Japão, nos ofereceu linhas telefônicas internacionais para que pudéssemos fazer as ligações diretamente para o Brasil. Com isso, ganhamos 45 dias para pagar. Esse prazo já ajudava a aliviar a pressão sobre o caixa. Mas uma das grandes alavancas para o crescimento da Brastel foi o desenvolvimento de um sistema de cartões pré-pagos para vender as ligações. Com isso, passamos também a receber antecipadamente.
A diferença entre os nossos cartões pré-pagos e os que existiam no Japão nessa época foi a forma que encontramos para receber os pagamentos. Percebi que poderíamos aproveitar um canal de vendas poderoso - as 70 000 lojas de conveniência espalhadas pelo país. Todas já estavam conectadas em rede para receber pagamentos, como contas de luz e água. Fechamos um contrato com a operadora dessa rede. Assim, nossos clientes recarregavam sempre o mesmo cartão nessas lojas. Com isso, conseguimos economizar com custos de impressão de cartões e distribuição. Se fosse preciso vender cartões descartáveis, como faziam as operadoras de celular no começo do serviço pré-pago, teríamos de controlar estoque, ter logística de entrega e lidar com perdas, entre outros custos. Hoje, esse é um sistema bem comum, usado no Brasil pelas operadoras de telefonia celular. Mas no final dos anos 90 não havia algo assim.
Quando começamos, só pensávamos em atender os brasileiros que viviam no Japão. Depois, percebemos que poderíamos expandir para outras comunidades. Decidimos manter o foco nos estrangeiros porque o custo de divulgação é mais baixo. Fica barato divulgar um serviço só numa comunidade, como entre os brasileiros ou os filipinos. Esse foco também era bom porque nos permitiu entrar num mercado deixado de lado pelas grandes operadoras de telefonia japonesas. Para elas, os estrangeiros eram uma fatia muito pequena do mercado.
Desde o começo, contratamos pessoas de nacionalidades diferentes para poder fazer o marketing da melhor forma possível para cada comunidade. À medida que usuários de outros idiomas começaram a ganhar espaço em nossa carteira de clientes, começamos a contratar chineses, filipinos, coreanos para que cada usuário fosse atendido em sua própria língua. Hoje temos pouco mais de 200 funcionários, de 35 nacionalidades diferentes, que falam 23 idiomas.
Hoje é muito difícil encontrar um estrangeiro que more no Japão e não conheça a Brastel. Trata-se de um público estimado em mais ou menos 2 milhões de pessoas. Mas já temos muitos clientes japoneses, gente que se relaciona com estrangeiros e acaba nos conhecendo. Os japoneses já são nosso terceiro maior mercado, depois dos filipinos e dos brasileiros.
Nosso maior crescimento foi entre 2001 e 2004, quando chegamos a faturar 100 milhões de dólares por ano. Desde então, o crescimento da internet e o surgimento de programas como o Skype mudaram radicalmente o cenário. Quando criamos a Brastel, em 1996, uma ligação de Tóquio para São Paulo custava 175 ienes por minuto. Hoje custa 7 ienes. A queda nos preços naturalmente fez nosso faturamento parar de crescer, mas a rentabilidade aumentou. Para isso, tivemos de nos reestruturar. Uma das medidas foi fechar postos de trabalho no Japão, onde a mão-de-obra é mais cara. Hoje, parte do nosso atendimento é feita por dois call centers fora do Japão - um nas Filipinas e outro aberto recentemente em Londrina, no Paraná.
A tendência é que cada vez mais os clientes paguem mensalidades fixas e possam fazer quantas ligações quiserem. Por isso voltamos nosso foco para serviços, em que há grande potencial para aumentar as receitas. Em 2004, começamos a desenvolver um sistema voltado para o setor corporativo e que já leva em conta essa lógica de cobrar mensalidades, em vez de ligações por minuto. Trata-se de um sistema que para os clientes funciona como se fosse um PABX virtual. Já temos clientes em empresas no Japão e nos Estados Unidos. Esse produto, o Basix, ainda representa pouco em nosso faturamento. Mas acredito que é o modelo que dará continuidade à empresa. Mais uma vez, a lógica é atender a um nicho de mercado. Nosso foco agora são pequenas companhias, para as quais ainda não compensa investir numa central de PABX.
Matéria publicada na exame.com.br
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Mais um exemplo de um brasileiro visionário
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